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Opinião: A reforma do Estado e a hipocrisia que nos impede de evoluir

Crédito: Unsplash

Se quisermos aproximar o setor público da performance do setor privado, isso passa pela equalização de remuneração

Por Pietro Sidoti, advogado especialista em Direito Administrativo pela FGV. Diretor jurídico do Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS)

Publicado no Jornal Jota

As verdades são duras, mas elas chegam. Então, que cheguem de maneira direta e consciente. Vivemos e somos alimentados por um alto teor de hipocrisia quando tratamos da interação do público com o privado e isso precisa ser dito.

Não posso cravar com total certeza, mas tenho a impressão de que alimentar o cidadão com falsas premissas é uma técnica bastante eficaz. Até por conta da reforma tributária que tem sido amplamente debatida, uma questão que ressurgiu – e que sempre ressurge quando tratamos de temas polêmicos que envolvam gastos públicos – é a dos “supersalários”.

A primeira coisa que pontuo é que não vou tentar convencer o leitor neste artigo sobre qual seria o tamanho do Estado. De outra forma enveredaríamos para uma polarização entre correntes reacionárias ou progressistas. Minha proposta aqui é mais pragmática.

Começo explorando o conceito do que é um supersalário. Na minha visão, supersalário é todo aquele salário que é desproporcional a uma função, à necessidade técnica, às competências exigidas e à responsabilidade decorrente de uma função.

Por esse conceito acredito que seja mais adequado determinar o salário pela responsabilidade da função e não pela pessoa que o ocupa. Assim, qualquer pessoa pode ter um supersalário – desde que não corresponda às exigências e metas do cargo.

Portanto, a adjetivação do que é um supersalário não está atrelada direta ou indiretamente ao quanto a população ganha ou deixa de ganhar; mas, sim, está atrelada ao sofrimento do cidadão em relação à má prestação dos serviços públicos.

E aí vem um ponto de inflexão estimulado pela hipocrisia.

Se tomarmos como exemplo o estado de São Paulo que possui um orçamento de aproximadamente R$ 375 bilhões, temos o teto salarial do governador na casa de R$ 35 mil, levando-se em consideração que para este cargo houve a sabatina de mais de 13 milhões de eleitores. Tecnicamente, nenhum outro servidor, incluindo os secretários, deve ganhar acima desse valor.

Poderia perguntar se é justo que pessoas nesta função, que exige muito preparo e responsabilidades que desdobram em encargos públicos e pessoais – inclusive sob o aspecto da responsabilização financeira, civil e criminal sobre suas decisões –, ganhem valores tão negativamente desproporcionais.

Mas, se eu fizesse isso, certamente seria rebatido com argumentação de que este seria um salário extremamente elevado para a grande maioria da população.

O problema é que a grande maioria da população não ocupa uma função que se desdobre em tamanha responsabilidade e com impactos na sua vida pessoal e no seu CPF.

A pergunta que faço é: se você cidadão fosse o acionista de uma empresa com uma receita anual de R$ 375 bilhões, você contrataria um CEO por R$ 35 mil? Melhor dizendo, você conseguiria contratar um CEO por R$ 35 mil? Creio que uma pessoa ponderada responderia não às duas perguntas.

Mas uma coisa é certa: independentemente de qualquer questão, você e eu somos acionistas destas empresas e, portanto, deveríamos buscar as melhores pessoas para assumir tamanhas responsabilidades e deveríamos remunerá-las de acordo com as responsabilidades que seu cargo impõe.

Isso não tem nada a ver com público ou privado, mas com pessoas em funções importantes.

Não nos interessa se na Suécia funciona de maneira diferente porque o ambiente, o contexto e as responsabilidades são diferentes e, certamente, no passado, países desenvolvidos superaram a barreira da hipocrisia para estabilizar a questão e atrair pessoas certas para funções certas.

Despersonalizando e “desfulanizando” a questão, não me parece lógico que um ministro da Suprema Corte que decide questões de tamanha responsabilidade social ganhe apenas R$ 44 mil por mês; que o presidente da República ganhe R$ 30 mil por mês quando cabe a ele decidir por quatro anos, com impactos para gerações, os caminhos de uma nação de mais de 200 milhões de habitantes.

A própria iniciativa privada que se autorregula e que, em regra, é tão próspera e eficiente não discute que bons profissionais são atraídos por boas remunerações.

Portanto, enquanto a população achar que um servidor público ou pessoa a ele equiparada que assume importantíssimas responsabilidades deve ser mal remunerado porque a maioria da população não ganha o que eles ganham – ou seja, que a remuneração, em vez de ser tratada como estímulo para atração dos melhores profissionais, seja tratada como punição pela desigualdade social –, todos nós continuaremos a ser punidos com a má prestação de serviços públicos e seus desdobramentos, inclusive com atos de improbidade e corrupção.

A continuidade desse círculo vicioso só interessa àqueles que buscam viver no caos e do caos. A reforma do Estado passa, necessariamente, pela quebra destes paradigmas e conceitos e pelo enfrentamento.

Dito de outra forma, se quisermos aproximar o setor público da performance do setor privado, é preciso entender que isto transcorre pela equalização de conceitos, de deveres e, sobretudo, de remuneração. Justamente para que se possa exigir das pessoas os predicados que as funções exigem e para que o setor público atraia e mantenha aqueles dispostos e preparados a assumirem responsabilidades inerentes a uma determinada função, expelindo e repelindo pessoas que vivem para o caos, do caos e em função do caos.

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